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Acessibilidade urbana: por que as cidades brasileiras quase não têm rampas nas calçadas?

  • 28 de abr.
  • 4 min de leitura

Novo estudo do IBGE mostra o quanto os municípios do país ainda não são acessíveis. Urbanistas explicam os motivos e apontam soluções


Por: Casa e Jardim (Maria Silvia Ferraz)

Foto: Pexels/Sidney de Almeida/Creative Commons
Foto: Pexels/Sidney de Almeida/Creative Commons

Dois em cada três brasileiros moram em vias sem rampa para cadeirantes. É o que constatou o Censo Demográfico 2022: Características Urbanísticas do Entorno dos Domicílios, pesquisa recém-divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).


Das 174,2 milhões de pessoas residentes em áreas com características urbanas no Brasil, 68,8% moram em vias sem rampa para cadeirantes. E apenas 18,8% vivem em vias com calçadas livres de obstáculos.

“Buracos, desníveis, degraus inesperados, pisos escorregadios, vegetação mal posicionada, mobiliário urbano mal distribuído. Tudo isso compõe um cenário urbano hostil para quem se desloca a pé"

Comenta a arquiteta e urbanista, Helena Degreas, professora da Universidade Municipal de São Caetano do Sul, pesquisadora pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design da Universidade de São Paulo (FAU-USP), e colunista de acessibilidade do Portal Acesse.


"Esses obstáculos comprometem a fluidez e a segurança dos pedestres, principalmente pessoas com deficiência, idosos, gestantes, crianças e pessoas neurodivergentes, tornando o simples ato de caminhar um risco constante”, ela complementa.


E por que não temos rampas e boas calçadas? Certamente não é por falta de legislação. A NBR 9050, norma brasileira que estabelece critérios e parâmetros técnicos a serem observados em projeto, construção, instalação e adaptação do meio urbano e de edificações a condições de acessibilidade, é considerada boa por especialistas.


A não aplicação das normas de acessibilidade é uma questão complexa, que envolve fatores culturais, sociais, políticos e de gestão urbana. Ao mesmo tempo, a resposta é simples. A acessibilidade simplesmente não figura nas preocupações das pessoas.


Porém, acessibilidade deveria sim ser um tema de interesse de todos – não apenas de pessoas com deficiência e seus familiares. “Essa é uma questão que não está longe, pode atingir qualquer um. Se tudo der certo, todos vamos ser idosos, com eventuais dificuldades de locomoção. E, mesmo quando jovens, a qualquer momento podemos quebrar a perna e nos ver dependentes de uma muleta ou cadeira de rodas", diz o arquiteto e urbanista Eduardo Manzano, vice-presidente do Instituto Smart City Business e professor do Istituto Europeo di Design (IED).


Mesmo entre arquitetos e urbanistas, a acessibilidade não costuma ser um tema de importância. “Quando aparece nos projetos, é geralmente tratada como um item técnico a ser atendido por obrigação legal, o que, embora correto e necessário, é insuficiente. Falta incorporar o conceito de design inclusivo, que vai além do cumprimento de normas", afirma Helena.


Algo muito diferente ocorre nos Estados Unidos, segundo Eduardo. “Lá, antes de qualquer outro aspecto de um projeto, é decidido como resolver a acessibilidade", conta o urbanista.


Já no Brasil, os pedestres e as calçadas historicamente foram colocados em segundo plano no planejamento urbano. Por muito tempo, os carros foram, mais do que priorizados, o único enfoque. Até hoje, não pensamos no caminhar como um direito urbano.


Também há uma falha de gestão importante. Em muitas cidades, como São Paulo, a responsabilidade pelas calçadas é do proprietário do imóvel daquele trecho, e não do poder público. “Isso gera um padrão fragmentado, sem continuidade, com calçadas mal conservadas ou até inexistentes", pontua a arquiteta.



Rampas, corrimões, amplitude e mais


Há dois itens básicos para uma cidade acessível, segundo os urbanistas. A primeira são calçadas niveladas e contínuas, com pelo menos 2,5 m de largura de área de passagem livre, ou seja, sem árvores, postes, lixeiras e pontos de ônibus ou táxi. “O mobiliário urbano deve ser posicionado onde ele realmente é necessário, e não aleatoriamente", diz Helena.


A outra são rampas com inclinação máxima de 8,33% e corrimãos. “Rampas são fundamentais para pessoas cadeirantes ou com mobilidade reduzida, e também facilitam demais a vida de quem não tem deficiência alguma, pois exigem menos esforço físico", fala a arquiteta e pesquisadora.


As rampas devem existir nas calçadas e em todos os espaços de uso coletivo, como comércios, serviços, escolas e edifícios públicos, segundo a Lei Brasileira de Inclusão (LBI). “Mas não adianta rampa com 15% de inclinação", alerta Eduardo. E há outras características bem-vindas para acessibilidade:


  • Piso tátil e semáforos sonoros para pessoas com deficiência visual.

  • Sinalização quando há desníveis ou obstáculos.

  • Elevadores ou plataformas elevatórias em edifícios públicos e privados, para garantir o acesso a todos os pavimentos.

  • Portas e espaços internos amplos, permitindo a circulação de cadeiras de rodas e pessoas com auxílio de andadores ou muletas.

  • Banheiros acessíveis, com barras de apoio, vasos sanitários e pias em alturas adequadas, e espaços de manobra suficientes.



É caro e difícil ter rampas e acessibilidade?


Sim e não. Em áreas urbanas já consolidadas, ou construídas sem planejamento, ou históricas, adaptar e regularizar calçadas e edificações pode sim ser difícil tecnicamente, além de exigir investimento. Mas nada impossível.


O próprio Censo mostra que as cidades brasileiras têm evoluído na presença de rampas. Se em 2022, 119,9 milhões de pessoas moravam em vias sem rampas para cadeirantes, em 2010, eram mais: 146,3 milhões.


“O verdadeiro obstáculo não é técnico, nem financeiro, mas político e cultural", afirma Helena. Ela cita as transformações urbanas de Barcelona, na Espanha, e Copenhague, na Dinamarca, hoje referências internacionais em acessibilidade. “São experiências que evidenciam que mudanças estruturais são factíveis quando existe compromisso institucional", ela aponta.

 
 
 

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