'Não é um sonho. É uma meta'. Alunos de graduação e pós-graduação se uniram por meio das redes sociais para ajudar Vinícius Ribas, de 19 anos, a perseguir objetivo de cursar midialogia na universidade.
Por Gabriella Ramos, g1 Campinas e Região
Em inglês, a expressão "it takes a village" - ou "é preciso uma vila", em tradução literal - é usada para descrever situações nas quais o esforço em comunidade é essencial. E é a união de um grupo de alunos da Unicamp que tem ajudado o estudante Vinícius Ribas, que tem deficiência visual, a derrubar barreiras de acessibilidade e se preparar para o vestibular da universidade.
Aos 19 anos, o jovem de Campinas (SP) tem o sonho de cursar midialogia para, no futuro, trabalhar com a maior paixão: a música. Mas, frente à falta de acessibilidade dos materiais, às dificuldades enfrentadas no período escolar e à concorrência de 20 candidatos por vaga, Vinícius percebeu que o desafio seria ainda maior.
"Achei que eu nem ia terminar o ensino médio, que eu não ia fazer muita coisa da vida. E depois, quando eu percebi que existia uma chance, eu falei: ‘uau, pode acontecer isso’. É uma possibilidade, é uma realidade. Não é um sonho, é uma meta. E metas podem ser alcançadas", almeja o estudante.
Atualmente, a rotina de Vinícius é dividida entre o supletivo, as aulas do cursinho pré-vestibular instalado na Moradia Estudantil e as aulas particulares com estudantes da Unicamp. No tempo que sobra, o vestibulando compõe músicas, em especial de rap, e procura uma oportunidade de trabalho.
"Até agora a ficha não caiu muito, pra ser bem sincero. Eu fico estudando sozinho, vendo vídeos do YouTube, e às vezes dá a impressão de que só estou eu, mas tem uma galera por mim aí pra fazer a parada acontecer. É muito bonito de ver. Tem muita gente correndo por mim, correndo comigo, me ajudando e se dispondo", afirma.
União em tempo recorde
A busca por alunos de graduação e pós-graduação que pudessem ajudar o vestibulando começou após o professor de filosofia Hudson Germano encontrar, nas redes sociais, uma postagem da mãe de Vinícius relatando as dificuldades enfrentadas pelo filho. O objetivo era pedir indicações de materiais didáticos, mas o educador tinha outra iniciativa em mente.
Atuando na educação popular há oito anos, Germano decidiu recorrer ao grupo da Unicamp no Facebook para encontrar outros estudantes que pudessem ajudar a tornar o sonho de Vinícius realidade. Segundo o professor, o número de pessoas interessadas em participar da iniciativa foi surpreendente.
"Em menos de uma semana, nós já tínhamos um corpo para dar aula para ele que seria o equivalente a um corpo docente de um cursinho popular inteiro. Foi uma mobilização muito bonita e uma mobilização importante, porque demonstra que as pessoas estão com interesse de ajudar e isso é muito importante", relata.
Inclusão e permanência
O professor estima que, em 15 dias, Vinícius passe a ter aulas com professores de diversas áreas do conhecimento. Para o futuro, a expectativa de Germano é que a experiência motive a adoção de políticas dentro e fora da universidade voltadas à inclusão e permanência de pessoas com deficiência no ensino superior.
Dentre as medidas de acessibilidade sugeridas pelo professor estão:
Popularização de materiais didáticos acessíveis para pessoas com deficiência visual e que vão além das tecnologias assistivas, que podem custar milhares de reais;
Melhorias na acessibilidade da Unicamp, que vão desde o acesso às salas de aula ao aumento no número de intérpretes de Libras;
Preparo de professores do ensino superior para receber estudantes com deficiências;
Ações visando a permanência de PCDs na universidade, como a disponibilização de bolsas de estudos.
"Me deixa uma esperança, uma vontade de construir um cursinho popular voltado pra PCDs ou que tenha pelo menos uma sala exclusiva pra PCDs. O caso do Vini é um caso que fica famoso por conta das redes sociais, mas eu tenho certeza que ele não é o único, que há muitos outros aí querendo acessar a universidade e ainda enfrentam essa barreira", destaca.
O que diz a Unicamp?
Em nota, a Unicamp informou que 68% das edificações da universidade estão adaptadas para acessibilidade, e ressaltou que "um conjunto significativo de ações" está em andamento para tornar os campi mais acessíveis para pessoas com deficiência.
Confira, abaixo, a íntegra do texto:
"A Unicamp esclarece que está atenta e atuante frente aos desafios envolvidos na construção das condições de acessibilidade para pessoas com deficiência. Um conjunto significativo de ações está sendo desenvolvido.
A Comissão Assessora de Acessibilidade (CAA) da Diretoria Executiva de Direitos Humanos (DEDH) e o Departamento de Planejamento Integrado (Depi) têm realizado ações para a construção dos Núcleos de Acessibilidade, a serem implantados junto aos edifícios-padrão existentes no campus da Unicamp em Campinas.
Têm feito, também, o levantamento sobre a situação construtiva das calçadas do campus de Campinas e a revisão do Caderno de Passeios e Rotas Acessíveis, assim como a elaboração da proposta do Plano Piloto de Urbanismo Tático.
A CAA mantém ainda, em parceira com o Serviço de Apoio ao Estudante (SAE), o Programa de Atendimento Educacional Especializado para Estudantes com Deficiência (Paee). No presente momento, um Grupo de Trabalho atua tendo em vista a implantação do sistema de cotas para pessoas com deficiência, bem como para o levantamento de demandas fundamentais relativas à recepção futura desses ingressantes. Por fim, junto da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), a Unicamp estabeleceu um memorando de entendimento com a Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência voltado para a formulação de políticas públicas e o desenvolvimento de tecnologias assistivas.
Cabe esclarecer que 68% das edificações da Unicamp estão adaptadas para a acessibilidade."
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